Notícias

Atualizações regulares para mantê-lo informado sobre o mundo notarial

Continue explorando

O casamento do maior de 70 anos e o novo paradigma do STF

Introdução


O direito de família é um dos ramos do direito com maior evolução social ao longo anos, refletindo as mudanças sociais e as novas compreensões sobre direitos individuais e patrimoniais. A jurisprudência tem exercido papel relevante nesta transformação, interpretando as normas civis de forma a adequá-las às novas realidades sociais que nascem do convívio o humano e se transformam com o tempo. “O homem é por natureza um animal social (…), vivendo em multidão” (Aristóteles), e desse convívio surge o direito, daí o brocardo “Ubi homo, ibi societas; ibis societas, ibi jus; ergo, ubi homo, ibi jus”; isto é: “Onde há o homem, há a sociedade; onde há a sociedade, há o direito; logo, onde há o homem, há o direito”.


A legislação brasileira sobre o regime de bens em casamentos e uniões estáveis é exemplo disso. O Código Civil de 2002, especificamente no artigo 1.641, impõe a separação obrigatória de bens para pessoas casadas ou em união estável após os 70 anos de idade. Essa medida, inicialmente justificada como uma forma de proteção patrimonial do idoso, sempre foi objeto de críticas e controvérsias, culminando em uma revisão interpretativa pelo Supremo Tribunal Federal (STF).


De fato, o STF decidiu interpretar a referida normativa, permitindo que o regime de separação obrigatória de bens seja afastado pelas partes, proporcionando maior autonomia e liberdade para os idosos em relações afetivas. Este artigo visa analisar a mudança, explorando suas implicações legais, sociais e o impacto na autonomia das pessoas maiores de 70 anos. Buscamos compreender melhor como o direito se adapta às transformações sociais e às necessidades de seus cidadãos, especialmente aqueles que, por muito tempo, foram regidos por uma norma restritiva em momentos significativos de suas vidas.


Contexto Histórico e Legal


O regime de bens no casamento e na união estável é uma parte fundamental do Direito de Família brasileiro, regido principalmente pelo Código Civil de 2002. Entre as várias disposições do código, o artigo 1.641 especifica que, para pessoas maiores de 70 anos, o regime de separação obrigatória de bens é obrigatório. Esta medida foi introduzida com a justificativa de proteger o patrimônio dessas pessoas de possíveis casamentos ou uniões motivados por interesse financeiro, uma preocupação social refletida na legislação.


Antes da recente decisão do STF, essa disposição legal era justificada tanto como uma proteção quanto como uma restrição. Por um lado, protegia o idoso de possíveis abusos econômicos; por outro, impedia que pessoas, em idade avançada, pudessem escolher livremente o regime de bens que melhor atendesse aos seus interesses e à sua situação afetiva.


A aplicação rígida do artigo 1.641 do Código Civil, entretanto, fora criticada e questionada em diversas instâncias judiciais, culminando na sua revisão pelo Supremo Tribunal Federal. Essa revisão foi impulsionada tanto por mudanças demográficas — com um aumento significativo da expectativa de vida e da atividade econômica entre os idosos — quanto por uma crescente conscientização sobre a autonomia e capacidade decisória dos mais velhos.


O debate sobre essa questão revelou uma tensão entre a proteção necessária e a autonomia individual, levando o STF a reconsiderar a abordagem tradicionalmente paternalista (uma tradição do direito brasileiro) do direito de família em relação aos idosos. À autonomia da vontade acrescentamos a plena capacidade civil do cidadão com 70 ou mais anos, fruto da evolução da medicina. Não é a idade que determina a capacidade do cidadão, tanto assim que aposentadoria compulsória no Poder Judiciário passou dos 70 para os 75 anos de idade, através da LC 152/151, sendo que há na Corte Suprema ministros já septuagenários.


A Decisão do STF


Em uma decisão unânime (10×0) que reflete a evolução das perspectivas sobre idade e capacidade civil, o Supremo Tribunal Federal recentemente optou por
flexibilizar a aplicação do regime de separação obrigatória de bens para pessoas maiores de 70 anos2.


Esta mudança jurisprudencial permite que os idosos possam escolher o regime de bens que melhor se adapte às suas necessidades e desejos, mesmo que isso signifique optar por um regime de comunhão parcial ou total de bens.


1 Por unanimidade de votos, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) validou dispositivo da lei complementar que fixou a aposentadoria compulsória de toda magistratura do país em 75 anos. Na sessão virtual encerrada em 19/5, o colegiado julgou improcedente o pedido formulado na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5430 pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e pela Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra).
2 ARE 1.309.642 (Tema 1.236) Exigência de separação de bens nos casamentos e uniões estáveis com pessoa maior de 70 anos. Relator Ministro Luís Roberto Barroso. Votação 10×0. Data do julgamento 01/02/2024

Os argumentos do STF centraram-se em vários pontos críticos:


1. Autonomia Individual: A Corte enfatizou a importância de respeitar a autonomia e a liberdade individual dos idosos, permitindo-lhes decidir sobre seus bens e relações patrimoniais sem a imposição automática de restrições baseadas apenas na idade.
2. Atualização Legal: Considerando as mudanças demográficas e sociais, o STF reconheceu que muitos idosos mantêm plena capacidade física e mental, bem como atividade econômica significativa, o que torna desatualizada a proteção automática prevista no Código Civil.
3. Proteção Versus Paternalismo: A decisão também refletiu uma crítica ao paternalismo legal excessivo, ponderando que a proteção ao idoso não deve automaticamente suprimir sua capacidade de tomar decisões importantes sobre sua vida e patrimônio.
4. Vedação à discriminação: Relator do Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 1309642, com repercussão geral, o ministro Luís Roberto Barroso (presidente) afirmou que a obrigatoriedade da separação de bens impede, apenas em função da idade, que pessoas capazes para praticar atos da vida civil, ou seja, em pleno gozo de suas faculdades mentais, definam qual o regime de casamento ou união estável mais adequado. Ele destacou que a discriminação por idade, entre outras, é expressamente proibida pela Constituição Federal (artigo 3°, inciso IV).


A decisão do STF tem implicações significativas para a sociedade e para o Direito de Família. Ao admitir o afastamento do regime de separação obrigatória, o STF não apenas reconhece a capacidade e direito dos idosos de gerir suas próprias vidas, mas também incentiva uma análise mais personalizada e justa de cada situação conjugal ou de união estável.


Como Afastar a Separação Obrigatória na União Estável e no Casamento?

A decisão do STF não afasta automaticamente o regime da separação obrigatória de bens para os maiores de 70 anos. Para tanto, para aqueles que ainda não são casados ou que ainda não formalizaram a união estável, faz-se NECESSÁRIO o comparecimento em cartório de notas para manifestar a referida vontade através de uma escritura pública de pacto antenupcial para os casados ou escritura pública de união estável para os companheiros.

Já para aqueles que já são casados pelo regime da separação obrigatória, é necessário o ajuizamento de um pedido judicial de alteração de regime de bens, ao passo que para aqueles que já convivem em união estável basta o comparecimento a um cartório de notas para solicitar a lavratura de uma escritura pública de alteração de regime de bens.


Importante ressaltar que os efeitos da mudança de regime, para aqueles que já são casados ou conviventes em união estável não é retroativo, ou seja, só haverá impacto na divisão do patrimônio a partir da mudança, não afetando o período anterior do relacionamento, quando havia separação de bens.


Não podemos deixar de mencionar a opção dos nubentes ou companheiros de contraírem o matrimonio ou união estável pelo regime da separação obrigatória de bens, porém, manifestando a vontade de afastamento dos efeitos das súmulas 3773 do STF ou 6554 do STJ, as quais preveem a comunicação dos chamados aquestos (bens adquiridos durante o casamento por esforço comum).


Assim, caso o casal opte por afastar apenas os efeitos das referidas súmulas, tem- se a prevalência absoluta da separação de bens pelo regime legal, sendo que uma das principais consequências é afastar por completo o cônjuge tanto da meação (direito de família) quanto da legítima (direito sucessório).


Conclusão


A recente decisão do Supremo Tribunal Federal, que permite aos idosos com mais de 70 anos escolherem livremente o regime de bens em casamentos e uniões estáveis, representa uma mudança significativa no Direito de Família brasileiro. Esta mudança não apenas reflete uma maior consideração pela autonomia e capacidade decisória dos idosos, mas também se alinha com as evoluções demográficas e sociais que caracterizam o século XXI.

A decisão do STF vai além de uma mera modificação legal; ela é emblemática de uma sociedade que busca respeitar mais profundamente os direitos individuais, independentemente da idade. Ao afastar a aplicação automática da separação obrigatória de bens, o Tribunal reconheceu que a proteção não deve servir como


3 Súmula 377 do STF: “No regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento”
4 Súmula 655do STJ “Aplica-se à união estável contraída por septuagenário o regime da separação obrigatória de bens, comunicando-se os adquiridos na constância, quando comprovado o esforço comum”. (SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 09/11/2022, DJe 16/11/2022)
Epa! Vimos que você copiou o texto. Sem problemas, desde que cite o link: https://www.migalhas.com.br/coluna/migalhas-notariais-e-registrais/401508/a-separacao- obrigatoria-para-o-maior-de-70-anos-nao-e-mais-obrigatoria

pretexto para limitar direitos, especialmente quando tais limitações não correspondem mais à realidade social e econômica dos envolvidos.


As implicações dessa decisão são amplas, afetando a gestão patrimonial, as relações familiares e a própria concepção de autonomia e proteção no direito civil. Encoraja um diálogo mais rico e personalizado sobre o planejamento familiar e patrimonial, e promove uma revisão das práticas legais que consideram a idade como fator determinante de capacidade.

Olhando para o futuro, essa decisão pode incentivar novas discussões e revisões legislativas em outras áreas do direito, especialmente aquelas que impactam diretamente o direito de família e também o direito das sucessões (por que não repensar a legítima dos herdeiros necessários?). A tendência é que o direito continue evoluindo para garantir que todas as pessoas, independentemente da idade, possam exercer seus direitos e liberdades com o máximo de respeito e justiça.


Este artigo explorou um marco significativo na jurisprudência brasileira e destaca a importância de continuar a adaptar nossa legislação às mudanças sociais e demográficas, garantindo que o direito seja um reflexo fiel das necessidades e direitos de todos os cidadãos.

Artigos e Notícias

Fique por dentro das últimas notícias e atualizações do mundo notarial.

Artigo - 8 minutos de leitura

O casamento do maior de 70 anos e o novo paradigma do STF

Introdução O direito de família é um dos ramos do direito com maior evolução social ao longo anos, refletindo as...

Artigo - 1 minutos de leitura

Cartório, Surrealismo e o “l’amour fou”

Essa foto retrata amizade, amor e paixão, sentimentos que podem e muitas vezes devem ser levados ao cartório, seja para...

Contato

Entre em contato conosco e teremos o prazer em ajudá-lo.



    whatsapp